domingo, 17 de agosto de 2014

E a convivência…

A Lia, querida, me mandou um e-mail pedindo que eu escrevesse um texto sobre as relações entre as crianças, quando há empurrões, brigas, uso da força (seja fisicamente, seja no grito), exclusão etc. Ela disse achar o mundo infantil bem "selvagem" e gostaria de saber como as minhas crianças são tratadas nessa selva… Pois bem… Eu não me sinto uma pessoa muito "letrada" nesse tema para escrever com propriedade, mas vou escrever um texto bem pessoal e espero dar conta da reflexão que ela me propõe.
Então… já ouvi muitas vezes essa expressão de que "crianças são más por natureza", são egoístas, são impulsivas e violentas. Ora eu concordo com ela, ora eu discordo.

Eu concordo quando vejo um bebê de um ano puxando o brinquedinho do outro, mordendo, puxando o cabelo. Eu discordo quando vejo como nós, adultos, tratamos as crianças…
Quando eu concordo, eu acredito que o bebê não tem convivência suficiente conosco, os adultos, para saber que é pela força que se consegue algo (sim, eu acho que a gente ensina isso…). E daí posso falar que é algo intrínseco à criança, que é a lei do mais forte, do toma-lá-dá-cá.
Entretanto, quando eu discordo, eu acabo até defendendo esses bebês dessa ideia… Nós vivemos numa sociedade violenta. A brasileira, então, eu acho violentíssima. Mas já saquei que o ser humano, hoje, é violento, seja em São Paulo, seja em Wellington ou Auckland. E daí que eu acredito que o ensino não acontece apenas quando o cérebro se forma, eu acredito que nossas células estão impregnadas com ensinamentos ancestrais e que vamos acessando isso conforme nos encontramos em situações ou com pessoas. E daí que agimos, nesse encontro, de acordo com essas informações, ou seja, como diz Espinosa, agimos como podemos, com a nossa potência.
Ora, se a nossa sociedade é esse pega-pra-capá (hahaha, nunca escrevi essa coisa antes… ficou engraçado…), toda vez que a criança topar com um problema, um atrito, ela vai agir como pode, ou seja, com as informações guardadas dentro dela: com violência.
Não consigo dizer se isso é bom ou ruim, talvez nos tornamos violentos por exigência das dificuldades naturais, das dificuldades dos grupos humanos que se formaram com o passar do tempo, sei lá… Deve ter alguém aí que estuda isso e deve saber falar com mais propriedade e "boniteza", mas o fato é que hoje eu não vejo muito sentido em sermos assim. Eu não vejo mais sentido em ser violenta (ah, e eu sou muito violenta). Também não vejo muito sentido em ser autoritária (ah, e eu sou muito autoritária). Então eu acho que devagarinho vamos abrindo mão dessa informação e quiçá daqui uns milhões de anos os humanos sejam o povo mais manso do pedaço, né? ;)
E meus filhos no meio disso tudo? Bom, eu acho que o ambiente escolar não foi dos melhores para eles… Mas, olha, só para cutucar: você não acha estranho os colegas de escola serem os primeiros a serem excluídos do facebook? hehehe O Igor foi alvo de bulling e o Caio não conseguia se enturmar com os meninos. Mas hoje, como não temos mais a instituição escolar intermediando as relações, eles não são mais obrigados a suportar isso e conseguem se distanciar caso se sintam agredidos (é o que percebo quando vamos ao parquinho, ao retiro de unschoolers ou a outros encontros). E aqui em casa… ai, ai… Lia, vou te dizer que aqui não é fichinha.
Bom, o Igor dirige muuuito o Caio. Culpa minha e do Jorge, que dirigimos, fomos violentos e autoritários com ele. Daí que o Caio fica a mercê disso, porque ele acredita que é ou aceitar isso ou não ter o irmão como companhia das brincadeiras. A Anna copia o Igor e faz o Caio de gato e sapato, puxa as coisas da mão dele, empurra, morde. Ele se defende chorando e chamando nossa atenção, "em geral", porque semana passada ele arranhou o rosto dela com um lápis apontado.
Claro que na hora eu achei a cena bem grotesca e fiquei pensando as bobagens de mãe: "nossa, e se pega no olho?". Aí que eu a acolhi, passei água gelada e quando ela se acalmou falei para ela que eu entendia que ela estava muito chateada porque o irmão a agrediu, mas que ele só fez isso porque ela tomou o desenho da mão dele. Depois fui falar com o Caio, que disse que era um péssimo irmão porque tinha machucado a irmã e que não ia mais sair do quarto. Daí que eu conversei com ele, disse que entendia que ele estava bravo porque a Anna não dava um tempo e estava tomando o desenho da mão dele, mas isso não justificava nenhum tipo de agressão.
Ficamos os três bem, de novo. E daí que fiquei pensando na violência e autoridade que ainda são fortes aqui em casa e também na falta de paciência para o nosso tempo. Em geral a gente exige o "agora" muitas vezes… Quem sabe se num mundo sem relógios isso seria mais fácil, né? Então eles também acabam exigindo o "agora" com autoridade e violência. No fim, tudo reflexo de nós mesmos… Ah, que novidade!
Então, Lia, se é para responder o que você me perguntou: não, eu não acho que levá-la para uma ilha deserta ou ser homeschooler ou unschooler irá protegê-la desse mundo selvagem. Acho que, só pra variar, temos de deixar nosso mundo interno menos violento e menos selvagem. :)

Um comentário:

  1. Amei seu texto, Pê. Na verdade, eu queria saber como vc reage quando as criancas tratam as suas de uma maneira com a qual vc nao concorda. Mas deu para presumir que você os deixa tomar a decisao que eles acham certa, é isso? E, se essas criancas forem a própria "caixinha", cabe aos seus filhos saber lidar com elas.

    Esse finzinho do "agora" mexeu comigo. Eu raramente peco alguma coisa para a Nicole "agora". Sempre anuncio que vou pedir, assim ela nao é pega de surpresa. Por exemplo, quando ela tem que parar de brincar para comer, primeiro digo que a comida logo estará pronta, e depois de alguns minutos a chamo. Mas acredito que a maior parte das criancas nao receba um aviso e tudo acontece agora. A crianca tem que parar o que está fazendo, por exemplo, para fazer o que o adulto quer. E assim a crianca aprende que também pode exigir tudo agora.
    Será que é por eu sempre avisá-la com antecedência que a Nicole geralmente avisa que, quando acabar de comer, vai querer mais? Ou que vai querer ler o livro mais uma vez? Ou até que ela vai chorar antes de dormir (ela já me avisou algumas vezes hahaha)?

    PS: Que dó do Caio!!

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